Já não temos mais um Papa

terça-feira, 5 de março de 2013

Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da "Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei), tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff. 

Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos 1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de exposição ao público e à mídia.

Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que, de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se deveriam entregar ao Redentor".

Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais, concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se casar.

Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin também conseguia, só que do lado de dentro.

A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor, qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal; será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja debate.
 
Por: Cleinton Souza

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