Já não temos mais um Papa
terça-feira, 5 de março de 2013
Postado por Ventos Modernos às 12:49
Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica
Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um
pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao
optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam
como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos
mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca
mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da
"Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei),
tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei
brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff.
Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado
com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o
Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua
postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado
de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos
1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até
porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua
terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de
exposição ao público e à mídia.
Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande
retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a
popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em
tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado
ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que,
de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais
imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras
acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria
romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta
sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se
deveriam entregar ao Redentor".
Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou
o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por
conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código
Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que
tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e
entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a
justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no
Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com
que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e
embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais,
concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se
casar.
Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito
mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi
Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia
fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não
foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente
vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo
brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do
que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não
saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom
de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia
que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele
conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros
tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin
também conseguia, só que do lado de dentro.
A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por
não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e
deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor,
qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e
duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer
Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma
espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por
João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de
futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal;
será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de
celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais
interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de
jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar
pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja
debate.
Por: Cleinton Souza
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